De Rubem Alves
A menina, a gaiola e a bicicleta
Olhem para o menino.
Ele está feliz. Ganhou uma bicicleta.
Era o seu maior desejo.
é a primeira vez que monta numa. Ainda não sabe andar direito. Mas não importa.
Uma vez tem que ser a primeira.
O menino ama a menina.
Convidou-a para passear com ele de bicicleta. Ela aceitou, com uma condição:queria levar consigo o seu pássaro, dentro de uma gaiola enorme.
O menino preferia que ela fosse sozinha com ele. Ficou triste.
Mas concordou.
A gaiola era grande demais.
Não cabia na bicicleta.
A menina teve que fazer o passeio olhando para trás.
Quem carrega gaiolas, olha sempre para trás.
O menino olhava para frente.
Olhando para trás, a menina não podia ver as mesmas coisas que o menino via.
A bicicleta ficou com dó do pássaro.
Pensou que morreria de tristeza se alguém a prendesse numa gaiola.
Resolveu ajudá-lo.
Aproveitando-se do fato de que o menino ainda não sabia andar direito, virou o guidão, endureceu o freio e foi bater direto numa árvore.
Tudo se esparramou pelo chão.
O menino caiu.
A menina caiu.
A gaiola caiu.
O que estava grudado desgrudou.
O que estava amarrado desamarrou.
O que estava embrulhado desembrulhou.
A porta da gaiola se abriu.
O pássaro saiu.
Saiu e parou. Não voou.
Queria ter a certeza de que a menina e o menino não haviam se machucado.
Viu que eles estavam bem.
Cantou, então para eles, o canto da despedida e voou.
A menina ficou triste porque o pássaro se foi.
Mas era preciso consertar a bicicleta para continuar o passeio.
Ela e o menino trabalharam juntos e a bicicleta ficou como nova.
Mas nem a menina e nem o menino sabiam que, quando uma gaiola é aberta, as borboletas saem dos casulos que as prendem e se põem a voar.
Borboletas, milhares de borboletas, de todas as formas, cores e tamanhos, começaram a seguir o menino, a menina e a bicicleta. Elas tinham estado dormindo na árvore e acordaram com o canto do pássaro.
Agora o menino, a menina e a bicicleta pareciam um cometa, com uma longa cauda colorida de borboletas. É isso que é o arco-íris.
Sem a gaiola para atrapalhar, amenina abraçou o menino.
Um menino abraçado é melhor do que um pássaro engaiolado.
Abraçados, os dois olhavam para frente.
Conversavam sobre as coisas bonitas que viam.
O menino ficou feliz.
A menina ficou feliz.
A bicicleta ficou feliz.
Quanto ao pássaro, foi transformado num anjo, com a missão de proteger o menino, a menina e a bicicleta, guardando os seus caminhos, os desvios, as trilhas e até mesmo as forquilhas onde os fantasmas fazem amor.
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